domingo, 26 de dezembro de 2010

Já não gosto do Natal

a meus irmãos, Paula e Ricardo
por Ana Martins

Eu? Já não gosto do Natal. Perdeu todo o sentido, sabor, até o cheiro. Este formato do fazer compras porque sim, nas vertentes ter-de-dar-às-professoras-dos-filhos, fica-mal-não-oferecer, ou a pior, ter-prendas-para-retribuir-a-quem-não-vou-dar-e-que-sem-esperar-me-dão, confesso que me dão ataque de taquicardia.

para ler ao som de:



Azeite Gallo - anúncio televisivo de 1995

Esta mentalidade consumista do ter de dar incomoda-me. Eu? Gosto de dar, de preferência sem datas adjacentes e aquilo que faça o meu amigo sorrir. E sim, basta um gesto. Um bilhete escrevinhado às vezes toca mais que o objecto de consumo desejado! É o acto de dar que está subvertido neste Natal dos dias de hoje que recuso fazer parte. É um frete!, e não sei se a desculpa da minha provecta idade serve, mas cada vez tenho menos paciência para os fazer...
Recordo com ternura a minha melhor memória de cheiro de Natal. No afã da véspera, a avó Rosa na cozinha a socar num alguidar a fazer os mágicos sonhos molhados, ensopados na calda doce, o cheiro profundo da laranja a impregnar a atmosfera de um calor patente nas bochechas rosadas da cansada avó na massa assim bem amassada, e o cheiro do leite açucarado sarapintado com canela e limão do inigualável e inesquecível arroz doce de minha mãe, que como marca indelével nos ficou no ar, na memória, nas narinas na mescla dourada dos fritos. Não recordo outros natais que nos fez perder a nossa mãe e depois a nossa avó. Devia ser proibido por decreto-lei morrer-se no Natal e matar o Natal em cada um de nós. Hoje, já não sendo crianças, já sem as avós e a mãe, com novas recordações e em cozinhas diferentes, o meu irmão, a minha irmã e eu temos as nossas próprias famílias, outros compromissos e apesar de ambas excelentes cozinheiras que assumidamente somos, encomendamos a lista de doces na melhor pastelaria e mandamos o marido para a fila interminável. Devo confessar que hoje, enquanto dona de casa, considero a praticabilidade da coisa muito conveniente. O nosso irmão continua a ser muito prático na forma de gerir as divisões de tempo, espaço, as emoções e os natais. Admiro-o também por isso!
Uma reflexão que pairou no ar neste mês de Dezembro deixou-me pensativa. Se a crise que assola o país faria a contenção necessária a parar a fúria desregrada do consumismo e por via da crise, os valores verdadeiros voltariam. Se os meios justificam o que quer que seja para chegar aos fins pretendidos? Não gosto dessa filosofia. Não gosto nem acredito que a contenção espartana faça parte no nosso normal funcionamento, nem por termos bolsos vazios faça valores alguns voltarem. Acredito que o caminho tenha de ser outro, diferente.
Se há coisa que me incomoda é ver pessoas a dormir em caixotes de papelão num qualquer canto das nossas cidades e ver outras pessoas passarem sem sequer os notarem. Mas são capazes de grandes gestos, de grandes depósitos num qualquer NIB da moda para ajudar uns quaisquer desgraçadinhos. Eu? Volta-me à ideia o darmo-nos num pequeno gesto. Porque faz sempre a diferença na alma de quem é acarinhado.
Como se chega a esse ponto de abandono permanece um mistério para mim. Em conversa com minha amiga Paula Cascais, debatíamos esse ponto há dias. Foram as más escolhas na vida que os conduziram a viverem na rua? Ao ajudá-los, ou a associações que lhes proporcionam refeições quentes e roupa lavada, estaremos a ajudar realmente ou a perpetuar esse movimento? Qual a melhor abordagem para efectivamente fazer a diferença na vida de cada uma dessas pessoas? Agrada-me o fazer o bem sem olhar a quem e sobretudo, não haver focos de luz sobre cada acto que se faz de voluntariado, de bondade, de ajuda ao próximo. Não acredito em grandes gestos porque é Natal, mas em oferecer uma sopa ou mais roupa quentinha a pessoas sem-abrigo nesta época, isso faz sentido, não pelo Natal, mas porque está frio, porra!
A forma de se viver o Natal hoje representa como se vive a vida. A correr desenfreadamente na semana a cumprir horários e esperar pelo fim-de-semana para depois logo começar outra semana. Amiúde acerca-nos a ideia que o Natal está já aí e que o ano passou a correr. Porque passou mesmo. Penso que a certas pessoas, nessa correria desenfreada lhes falta todo o sentido, sabor, até o cheiro que a vida deveria ter. O ter tempo para os filhos. Ler-lhes antes de adormecerem em vez de ficarem a ver novelas e os putos no quarto nas respectivas consolas. Explicar os porquês em vez de um agora não. Posso soar moralista, a roçar o fundamentalista neste tema, mas acredito piamente que a educação que damos a nossos filhos faz a mudança, aquela que aos 20 anos todos acreditamos conseguir um dia vir a mudar o mundo.
Enquanto escrevo no meu portátil, um anúncio na TV chama a minha atenção, distrai-me o suficiente para levantar os olhos e murmurar um “adoro isto” - o do azeite, versão alargada missa do Galo. O meu filho, sempre atento, busca o comando e num simples clique faz o meu Natal! Grava o anúncio e enquanto o repete vezes seguidas só para meu deleite, cantamos os dois ó rama ó que linda rama a olhar-me bem dentro dos meus olhos, lá no fundo, onde ainda há Natal.



Receita:

  • Um pires de azeite
  • fatia de pão (vá, com o travo ácido e o miolo bem compacto do nosso pão alentejano)
Sirva como entrada. Um gesto simples. Molhar o pão no azeite e deleite-se.



A todos que tenham tido um Bom Natal, 
que o próximo ano possa ser melhor.




sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Nosso lado Gilmore: junkie food


por Ana Paula Motta e Ana Martins

Ana - Adoro cozinhar ao contrário da personagem Lorelai Gilmore que é um fiasco na cozinha. No entanto também vez por outra caio nas garras da junkie food adoro ver filmes comendo um saco de Doritos e Coca-cola. Na minha gravidez, bem no começo, a única comida que entrava era macarrão instantâneo com muito queijo. Por sorte depois dessa fase passei para as frutas. Mas até hoje quando sinto enjoo resolvo com Coca-cola.
Ana - Adoro cozinhar, nesse aspecto sou diferente da personagem Lorelai Gilmore que é uma desgraceira de avental, bom, ó Ana, pá... mas eu não uso avental! A minha nutricionista que não me leia, mas quando descompenso vingo-me e não é na comida de plástico: Como de tudo. Estou reaprendendo a comer, mas fico louca com um pacote de batata frita marca Ti-ti encharcada em molho Cajun da marca Calvé (sou bastante específica, outra batata ou molho não tem mesmo efeito).
Ana - Meu lado mais Gilmore é tomar café bem forte e acelerar o ritmo ao máximo. Quando trabalhava na TV era movida a café. Se não tomasse cuidado, não parava nem para comer.
Hoje café é quase um veneno, só posso tomar um pouquinho quando acordo. Depois do meio-dia me tira o sono. É uma pena porque café com biscoito ou bolo caseiro... hummmmmm
Ana - Eu diria que minha faceta mais Gilmore é o falar muito rápido, até o facto de interromper constantemente...
Ana - ... o interlocutor, kkkk, olha...
Ana - isso!!
Ana - Aqui na minha casa dizem que têm que falar nos intervalos que paro para respirar. Pedro quando era pequeno dizia assim: "Gente, gente, gente..."
Ana - mas além de rápido é a quantidade de vezes que mudo de assunto, a Ana é daquelas amigas que acompanham a pedalada e retomamos em qualquer momento, mesmo com um oceano pelo meio. O teu Pedro dizia...?
Ana - pedindo pra falar, porque além de mim, todas as mulheres da família falam muito
Ana - mas havia gente??
Ana - sim, todas as Mottas a falar.
Ana - ... ahhhh! gente de ... malta, malta, malta...?
Ana - isso.
Ana - Entendi. Pois meu Pedro retiraria a fala a todas as Mottas, eheh
Ana - Putzzz nos atropelamos,
Ana - mas nos entendemos,
Ana - do nosso jeito sim, parecemos metralhadoras falantes...
Ana - olha que direcção queres dar ao post? Falar de comida ou deitar conversa fora?
Ana - ia te perguntar isso
Ana - ha ha
Ana - que tal uma...
Ana - que giro.
Ana - uma sessão de cinema em casa, uma maratona de Gilmore!
Ana - como assim?
Ana - com um monte de porcaria para comer,
Ana -postar os links!? nahhhh...
Ana - doritos com guacamole,
Ana - voltamos à comida?
Ana - não, pôr receitas,
Ana - e acabamos com a pipi das meias altas...?
Ana - pra acompanhar os vídeos
Ana - certo.
Ana - pode ser?
Ana - ok.
Ana - coca-cola!
Ana - pipoca salgada.
Ana - e macarrão instantâneo à moda oriental
Ana - tu dizes doce e eu salgada, eheh
Ana - isso pipoca, com queijoooo
Ana - pipoca com queijo!??
Ana - pera aí, perdi-me no guacamole... adorooo!
Ana - estamos nos atropelando
Ana - porque isso não nos surpreende? eheh
Ana - olha que ontem fiquei durante o serão a ver links de cenas que ainda não passaram em Portugal, queres que as repesque e coloque no post? é isso?
Ana - sim, sim!
Ana - Há umas cenas com a Rory que achei importante a mensagem. a de "não-Ciderela" contrariamente ao que os avós tentaram imprimir-lhe e no final, toda a educação que a Lorelai lhe deu veio ao de cima. Lindo.
Ana - Vá lá põe aí o link...
Ana - ok.




Ana - Rory, o despertar...
Ana - Nem mais. Estamos na era da Princesa Fiona (do Shrek) não de Cinderelas!!! E que comidinha aconselhas, amiga? assim para comer com os dedos e refasteladas no sofá?
Ana - vou começar com guacamole para os Doritos...

Guacamole

1 unidade(s) de abacate
2 dente(s) de alho amassado(s)
2 unidade(s) de tomate picado(s), sem pele(s), sem sementes
1/2 unidade(s) de cebola picado(s)
quanto baste de coentro picado(s)
quanto baste de cebolinha verde picada(s)
quanto baste de pimenta malagueta (sem sementes)
4 colher(es) (sopa) de suco de limão
quanto baste de sal

Amassa-se o abacate, misturam-se os demais ingredientes. Sirva com salgadinhos de pacote (Doritos!!!) ou torradinhas.

Yakissoba Rápida

Dois pacotes de macarrão instantâneo (embalagens individuais)
50 ml de molho de soja (shoyu gosto do Sakura)
legumes tenros da preferência em fatias diagonais finas (pode ser as já cortadas especiais para yakissoba dos supermercados)
carne de vaca em tiras finas na diagonal ou de frango em cubos

Frite a carne em um pouco de óleo. Retire e na mesma frigideira salteie os legumes reserve. Coza o macarrão por 3 minutos e escorra. Volte todos os igredientes á frigideira ou panela wook e junte o shoyu. Sirva.

Pipocas

Pipocas, não precisa receita, né? Para as doces faça como as salgadas (porém só ponha um pitada de sal) e aí junte açúcar cristal (amarelo) e volte ao fogo baixo. Caramelou? Tá pronta.
Sirva tudo com muita Coca-cola ou Guaraná!!

Ana - Desculpa lá... Podes fazer caipirinha?
Ana - olha, caipirinha? Isso é lá com minha irmã...
Ana - então aceitas uma caipirinha feita por uma tuga? eheh
Ana - sim, sim putzzzz e traz também de sobremesa baba de camelo!
Ana - nahhhhhhhh doce de leite que em Portugal não temos!!!
Ana - e a receita?
Ana - sim, claro.

Baba de Camelo

1 lata de leite condensado cozido
6 gemas de ovo

Tudo batido junto. Eu gosto de juntar as claras em castelo pois fica mais fofo.



Ana - parece que vamos terminar a cantarolar em conjunto como a Lorelai e a Rory:
«Freckles on her nose
diddle diddle di
a girl came riding
into town one day
diddle diddle di
she was quite a sight
it's Pippi Longstocking
say ho ho he ha ha
it's Pippi Longstocking
there's no one like her»


quinta-feira, 29 de julho de 2010

Soufflé de Peixe de Minha Mãe Menininha

Hoje não escrevo um conto, mas outra memória doce de minha infância. Não fui capaz de criar personagens em torno da receita de soufflé de peixe, simplesmente porque há pratos que estão presos nas melhores recordações da minha infância a pessoas que me foram - são - muito queridas e já não estão comigo.


para ler ao som de (versão linda)
Bethânia, Caetano e Dona Canô cantam Oração da Mãe Menininha


por Ana Martins

Na época de minha mãe era uma receita inovadora e chique. Depois da revolução de Abril, as donas de casa em Portugal saiam um pouco fora dos cozinhados habituais de suas mães, tias e avós e inovavam com receitas importadas. Muito moderno! Um mundo novo esperava-nos e a minha mãe, que só cozinhava ao fim-de-semana, gostava de inovar!
Um prato que abraçou foi o soufflé. De origem na culinária francesa (que significa inchado ou soprado) e que amiúde nos reunia, à minha irmã e a mim como suas ajudantes. Era um momento sempre bom, o de cozinharmos juntas, de ficar na memória a guerra prazeirosa e eterna de quem rapava a taça de massa de bolo cru. Ainda hoje quando cozinho prefiro esse momento e o de encetar um bolo quente saído do forno que o de festa propriamente assim considerado. Nota mental para perguntar a minha irmã se também pensa assim. Quem sabe, se nossa mãe não tivesse morrido tão nova, as minhas memórias poderiam ter crescido.
Tenho os dias de soufflé em boa conta, eram refeições de festa! Apesar de fazer de variados sabores, o de peixe era o meu preferido. Talvez por ser a única forma de conseguir comer peixe a saber a bolo. Já mãe, consegui que o meu filho pedisse com vontade bolo (de peixe) à refeição, porque é esse o segredo do soufflé: o aspecto fofo e volumoso que dá água na boca. Consiste apenas na forma adequada de bater os ovos – as gemas bem batidas adicionadas uma a uma e no final quando se acrescenta as claras em castelo bem firme. Um bom truque é acrescentar uma pitada de sal fino às claras que ajuda a ficarem no ponto.
Complicado? Não, basta saber fazer um bom molho Bechamel (manteiga, farinha e leite) adicionar o peixe cozido bem desfiado e os ovos, como disse, gemas uma a uma e as claras em castelo. 20 minutos de forno a 200 graus numa forma redonda e alta bem untada e enfarinhada. Servir logo de seguida com salada verde. Ter cuidado com possíveis correntes de ar. O soufflé irá baixar naturalmente (por isso a imposição de o servir logo), mas se apanhar ar, murcha de forma tristonha.


Ingredientes:


200 grs de peixe branco cozido e desfiado
50 grs de manteiga
50 grs de farinha
1 chávena de leite
4 ovos
Sal, pimenta, noz moscada e sumo de limão q.b.





sábado, 24 de julho de 2010

Miss Imperfeita

Hoje coloco um texto de uma colega escritora que muito gosto.
E depois uma receita simples. Bem simples.




para ler ao som de

Resistência (ao vivo) - A Noite

Miss Imperfeita

por Martha Medeiros - Jornalista e Escritora

«Eu não sirvo de exemplo para nada, mas, se você quer saber se isso é possível, me ofereço como piloto de testes. Sou a Miss Imperfeita, muito prazer. A imperfeita que faz tudo o que precisa fazer, como boa profissional, mãe, filha e mulher que também sou: trabalho todos os dias, ganho minha grana, vou ao supermercado, decido o cardápio das refeições, cuido dos filhos, marido (se tiver), telefono sempre para minha mãe, procuro minhas amigas, namoro, viajo, vou ao cinema, pago minhas contas, respondo a toneladas de e-mails, faço revisões no dentista, mamografia, caminho meia hora diariamente, compro flores para casa, providencio os consertos domésticos e ainda faço as unhas e depilação!

E, entre uma coisa e outra, leio livros.

Portanto, sou ocupada, mas não uma workholic.

Por mais disciplinada e responsável que eu seja, aprendi duas coisinhas que operam milagres.

Primeiro: a dizer NÃO.

Segundo: a não sentir um pingo de culpa por dizer NÃO. Culpa por nada, aliás.

Existe a Coca Zero, o Fome Zero, o Recruta Zero. Pois inclua na sua lista a Culpa Zero.

Quando você nasceu, nenhum profeta adentrou a sala da maternidade e lhe apontou o dedo dizendo que a partir daquele momento você seria modelo para os outros.

Seu pai e sua mãe, acredite, não tiveram essa expectativa: tudo o que desejaram é que você não chorasse muito durante as madrugadas e mamasse direitinho.

Você não é Nossa Senhora.

Você é, humildemente, uma mulher.

E, se não aprender a delegar, a priorizar e a se divertir, bye-bye vida interessante. Porque vida interessante não é ter a agenda lotada, não é ser sempre politicamente correta, não é topar qualquer projeto por dinheiro, não é atender a todos e criar para si a falsa impressão de ser indispensável. É ter tempo.

Tempo para fazer nada.

Tempo para fazer tudo.

Tempo para dançar sozinha na sala.

Tempo para bisbilhotar uma loja de discos.

Tempo para sumir dois dias com seu amor.

Três dias…

Cinco dias!

Tempo para uma massagem.

Tempo para ver a novela.

Tempo para receber aquela sua amiga que é consultora de produtos de beleza.

Tempo para fazer um trabalho voluntário.

Tempo para procurar um abajur novo para seu quarto.

Tempo para conhecer outras pessoas.

Voltar a estudar.

Para engravidar.

Tempo para escrever um livro que você nem sabe se um dia será editado.

Tempo, principalmente, para descobrir que você pode ser perfeitamente organizada e profissional sem deixar de existir.
Porque nossa existência não é contabilizada por um relógio de ponto ou pela quantidade de memorandos virtuais que atolam nossa caixa postal.

Existir, a que será que se destina?

Destina-se a ter o tempo a favor, e não contra.

A mulher moderna anda muito antiga. Acredita que, se não for super, se não for mega, se não for uma executiva ISO 9000, não será bem avaliada. Está tentando provar não-sei-o-quê para não-sei-quem.

Precisa respeitar o mosaico de si mesma, privilegiar cada pedacinho de si.

Se o trabalho é um pedação de sua vida, ótimo!

Nada é mais elegante, charmoso e inteligente do que ser independente.
Mulher que se sustenta fica muito mais sexy e muito mais livre para ir e vir. Desde que lembre de separar alguns bons momentos da semana para usufruir essa independência, senão é escravidão, a mesma que nos mantinha trancafiadas em casa, espiando a vida pela janela.

Desacelerar tem um custo. Talvez seja preciso esquecer a bolsa Prada, o hotel decorado pelo Philippe Starck e o baton da M.A.C.
Mas, se você precisa vender a alma ao diabo para ter tudo isso, francamente, está precisando rever seus valores.

E descobrir que uma bolsa de palha, uma pousadinha rústica à beira-mar e o rosto lavado (ok, esqueça o rosto lavado) podem ser prazeres cinco estrelas e nos dar uma nova perspectiva sobre o que é, afinal, uma vida interessante.»

Uma receita simples

Acontece-me frequentemente perder a hora se estou a ler ou a escrever. Uma refeição usual quando não se tem vontade ou tempo de cozinhar é comprar frango de churrasco. É acessível, rápido, saboroso e até indicado para quem esteja de dieta (sem a pele estaladiça, bem entendido).
Créditos da foto é do Blog Amigo Cozinha da Risonha)

Em Portugal existe uma receita bastante simples e popular (de nome bastante homófobo) por se introduzir um limão e um caldo knorr na extremidade do frango - e é apenas isso que se faz.
Há algumas variantes, uma vez que as pessoas gostam de improvisar e esta receita já é antiga, por vezes encontra-se o exterior esfregado com alho esmagado, margarina e colorau, mas o limão é o requisito necessário que dá o toque de diferente para assar este frango no forno.



sexta-feira, 25 de junho de 2010

Caracóis

Em dia de Portugal-Brasil eu vou torcer para que ganhe o melhor dos dois países presentes neste blog e deixar-vos aqui um bom petisco enquanto todos assistimos o jogo.
E que ganhe o melhor a zero-zero!





para ouvir ao som de Nick Cave - Into My Arms

Caracóis

por Ana Martins

Hoje não vou ler uma receita e criar personagens para escrever um conto. Trago-vos, em dia de jogo de futebol que os nossos dois países param - Portugal e Brasil no campeonato do mundo - um petisco que é naturalmente pedido num café para ver futebol com cerveja geladinha – um prato de caracóis. Trago-vos também uma memória que muito acarinho.
Em Portugal dividem-se as opiniões: é um petisco muito apreciado por muitos, mas que causa repugnância a outros. É mais usual ser apreciado a centro e sul. Já a norte, só a ideia, causa tal aversão que nem se pode pedir em qualquer café, restaurante ou tasca como no resto do país. É um petisco usual, acessível e muito apreciado que se come bem quente em qualquer esplanada no final da tarde com amigos regada de cerveja fresquinha e conversa boa.
A cada Primavera esperamos ansiosamente pela temporada dos caracóis. São muito amargos fora de tempo, sendo os bons meses o que não têm a letra “R” – Maio, Junho, Julho e Agosto. Aberta a época é ver mesas de café com uma roda de amigos em torno de copos vazios e pratadas de cascas de caracóis que foram vorazmente comidos e o molho sonoramente sorvido. E porque é um petisco que só se come entre amigos? Porque não há forma elegante de se comer caracóis! Os franceses debicam escargots com uma pinça e garfo próprios e fazem-no com alguma sobriedade. Por cá, mesmo as grandes caracoletas assadas, comemos à mão, quanto muito, com o recurso a um palito. Servido ainda fumegante, come-se sem talheres, com o molho a escorrer pelos dedos e sorve-se o líquido contido dentro das cascas e sim, com algum ruído. Sejamos francos… não se faz semelhante figura diante de um estranho… com os amigos habituais dos caracóis, estaremos naturalmente mais à vontade!
Recordo como os meus melhores companheiros de caracóis, os meus irmãos e meus avós. O grupo foi-se alargando a alguns amigos mais chegados e a certa altura de nossas vidas éramos um grupo firme nas habituais dez travessas de caracóis de cada vez que nos juntávamos para a petiscada. E estas pessoas estiveram – estão – sempre presentes nos momentos mais importantes da vida uns dos outros.
Recordo com ternura o dia de enterro do meu avô Chico numa aldeia longínqua perto da Serra da Estrela. O meu avô foi daquelas pessoas lindas que viveu todas as etapas da sua vida – e bem. Homem bom, amigo, juntou à sua volta muitos mais netos que aqueles que teve. Todos os nossos amigos o tratavam carinhosamente por avô ou por Xiquinho. Já viúvo e bem idoso ainda era o nosso maior companheiro de copos, de brincadeiras, de petiscadas – de vida.
Para nós, meninos da cidade, estranhamos os procedimentos de um funeral de aldeia como se de um filme antigo a preto e branco se tratasse. Das beatas, às carpideiras, tendo como ponto alto a caturrice do padre qual cacique local, que numa discussão sonora e desrespeitosa para com o meu pai na sacristia, audível em toda a igreja, poderia vir a tornar-se uma situação constrangedora, não fosse, para gáudio geral, o meu filho ainda pequeno afirmar à saída de meu pai e do padre da sacristia: “Boa, avô, defendeste o nosso Xico!!”
Foi uma morte serena no final da vida. Talvez por isso fosse tão aceitável ficarmos finalmente sem o nosso Xiquinho. Ficou num local alto no cemitério da aldeia, uma vista bonita. Tudo foi bonito na vida deste meu avô.
Um pouco incomodados com a atenção recaída sobre os meninos da cidade após o serviço fúnebre, todos nós netos e amigos, a geração mais nova, saímos de cemitério com a estranha sensação do Xico vir connosco. Vínhamos a pé pelo caminho a recordar momentos com o nosso avô e cada um se lembrava de detalhes engraçados e pitorescos. Nesse espírito, entramos num cafezinho contíguo e sentamo-nos na esplanada. Íamos apenas beber um café, continuar a conversa boa, mas o inconfundível cheiro a orégãos despertou-nos a todos. Caracóis? Já???, em Abril…!? Foi irresistível. Os primeiros caracóis do ano! Uma euforia apoderou-se de todos nós e desta feita nada com a senhora dona Gula… sorríamos, tolos, perante a simples constatação – o avô Chico!!! Estava mesmo connosco, ali ao lado, mas a sua inequívoca presença na convocatória para os primeiros caracóis do ano.

Receita de caracóis à Algarvia:

1 kg. caracóis de calibre graúdo
1 kg. caracoletas de calibre médio
sal (comedido, os caracóis já são salgados)
malagueta (a gosto)
cubos de bacon e chouriço
1 cebola
1 cabeça de alho esmagado
1 tronquinho de oregãos

Os dois truques básicos dos caracóis consistem em a) serem lavados muitas vezes sempre em água corrente e b) para que os caracóis fiquem com a cabeça fora da casca, a panela é colocada só com água ao lume, sempre em lume o mais baixo possível e apenas quando estiver a ferver se colocam os temperos. Depois de temperado a gosto, deixe cozinhar, ficando no tacho para apurarem pelo menos 2 horas. Pode pôr na mesa pão e manteiga para acompanhar ou para molhar no caldo delicioso dos caracóis. Serve-se bem quente e acompanha de cerveja bem gelada.
Nota: Se são caracóis de viveiro podem ser logo consumidos, mas se tiverem sido apanhados no campo, é aconselhável “pastá-los” durante uns dias. Colocados numa caixa com tampa perfurada, alimente-os com folhas de alface ou fruta de forma a limparem de possíveis ervas nocivas para que, quando cozinhados, não saibam mal.



terça-feira, 15 de junho de 2010

Sopa de Urtigas


para ler ao som de O'queStrada - Qualquer coisa me anima

Sopa de Urtigas
por Ana Martins

Era desta que ia cozinhar à revelia. No domingo a sua santa sogra vinha à cidade visitar o seu menino. Naturalmente Sandro convidara-a, pelo que viria a sua casa almoçar, inspeccionar onde e como andava o seu menino a ser tratado. Pouco importava as virtudes de Cláudia, a dona Anabela (perdão… Madame Bell) teria sempre que apontar, mesmo à distância, fosse na terrinha ou no início de viverem juntos, quando a santa ainda trabalhava lá na sua França.
Apetecia-lhe tanto cozinhar para a sogra como respirar vidrilhos em arroubos de veraneio, mas o olhar abrandado do filho, o também seu Sandro, fizeram-na anuir apesar de se corroer tão vitrinamente. Para se aquietar, pensou num ingrediente que sabia comestível e nunca tinha experimentado confeccionar. Contudo, seria o local mais simpático onde gostaria de sentar o traseiro anafado da madame sua sogra no almoço de domingo.
Diziam as eruditas comadres que se cortasse as cebolas debaixo de água de chuva não seria acometida de lágrimas salgadas ou se pedisse autorização à natureza as urtigas não lhe morderiam as costas das mãos mas, mais prudente, Cláudia resolveu-se por um chapéu de palha, luvas de jardinagem e uma antiga cestinha de vime e, qual capuchinho vermelho, seguiu pelo caminho proibido da floresta.
A receita era simples e o truque gastronómico na assadura. Em honra do nome que dona Anabela, a senhora sua sogra adoptara depois de regressada na petulante Madame Bell, tinha apanhado umas flores em forma de campainhas, que colocou suavemente ao empratar o cálido caldo.
Já de crianças ouvíamos que o crime não compensava, nem sequer as pequenas malvadezas infantilizadas como servir uma sopa de urtigas à sogra. A punição que Cláudia nunca comentava, porém mortificava-se, a cada vez que o seu Sandro lhe pedia que fizesse a sopa que adoptara como favorita, era incomensurável.

Receita:
(gostava da candura como lhe fora passada)

água da chuva q.b.
cebola nova
Assa-se a cebola no forno com uma pitada de sal, pimenta rosa e um fio de luar de azeite. Depois de assada, coloca-se numa panelinha ao lume com da água da chuva e deixa-se cozer. Lava-se muito bem as urtigas, tempera-se com umas gotas de lágrimas se houver picadelas e coloca-se dentro da sopa. Passa-se tudo em remoinho como a vida e retempera-se. Sirva cálida.

(receita gentilmente cedida pelo Restaurante Bem Me Quer Vegetariano)



sexta-feira, 11 de junho de 2010

Almoço de Verão

Depois da simpática Walnize entrar neste blog a semana passada, surge agora o convite do outro lado do Atlântico da Ana Paula Motta, e eis que entro eu - e se estou de chegada, começo com uma memória de partida.


para ler ao som de Imogen Heap - Hide and Seek


Almoço de Verão

por Ana Martins

Os dias quentes de Verão estão de partida. Os quentes de sufocar, de pedir para dormir ao relento por não aguentar o calor dentro das paredes numa casa que não chegava a arrefecer. Dormir no jardim com os irmãos, reclamar das picadas de melgas, tagarelarmos e galhofarmos até cada um adormecer de cansaço. Nenhum dava conta da mão materna que tapava com desvelo cada ombro desnudado.
Hoje não há noites abrasadoras de Agosto. Sol no Inverno chuva no Verão. Há dias que temos as quatro estações reunidas no mesmo dia. Nem é tão linear ser absolutamente impensável uma boa feijoada nos dias que seriam quentes ou uma colorida salada nos supostamente frios. O mundo gira e transforma-se perante os nossos olhos - nada é estanque, tudo é global - como um jogo infantil de escondidas quando não somos mais crianças, nem temos vontade de brincar.

Hoje, sendo o meu primeiro post neste blog saboroso, trago-vos não um conto, mas uma refeição completa:
Uma salada
de base de cuscus e feijão frade (ou grão de bico) onde se junta alguns sabores em cru bem marcantes e diferenciados como aipo, pimento, cebola, kiwi (ou abacaxi), gengibre e malagueta (se gostar de apimentar a vida). Tempera-se simplesmente com sumo de lima, coentros picados e cominhos. Eu gosto de acrescentar hortelã, alfazema, bagas goji e sementes de papoila.
Um gelado
de nata, podendo ser de compra ou caseiro. Eu bato, para uma lata de leite condensado, 2 a 3 pacotes de nata, vá lá, pode ir até 4, se forem mesmo gulosos. Gosto da consistência e intensidade. Mas mesmo os mais gulosos enjoam este gelado caseiro se não tiver uma boa calda que, por outro lado, consegue transformar uma simples embalagem de gelado de nata de supermercado numa sobremesa gourmet. Para esta proporção de gelado, junte açúcar a gosto a 1/2 kg. de morangos (dos pequeninos e bem doces, não vale a pena fazer com os que parecem enxertados em cortiça com esferovite...) e esmague num almofariz ou - de uma forma menos romantizada e mais prática - com a varinha mágica. Eu gosto de adicionar umas folhas de hortelã fresca. Verta a calda de morango sobre o gelado de nata e tente não fazer essa cara tão voluptuosa ao saborear.
Um cappuccino gelado
Existem máquinas de cápsulas no mercado, mas deixo-lhes um bom truque que faço para o conseguir mais cremoso. A cada cápsula, a de leite e a do café específicas para o Cappuccino Ice, o fabricante recomenda a posição na máquina de água fria e juntar pedras de gelo. Eu gosto de gelo lascado ou moído (não fica tão pesado na bebida) e o truque é rebentar a cápsula com a posição na máquina de água quente e só depois mudar subitamente para frio. Para as duas cápsulas. O choque térmico produz uma espuma apetitosa. Se deixar a arrefecer um pouco (com o gelo) antes de o beber, as camadas que se vão desenhando nos vários tons de café com leite produzidos, são de uma tão grande beleza que recomendo seriamente um copo ou chávena de vidro.




terça-feira, 8 de junho de 2010

Biscoitos de Alfazema, sabor de primavera

Recebi do outro lado do Atlântico, onde é primavera, um cheirinho não de alecrim como a canção do Chico, mas um olor de alfazema, dalgum canto de jardim.
Convidei minha amiga Ana Martins, para que me enviasse um conto com de primavera, e não satisfeita, a receita também cheira à estação das flores.


para ouvir ao som de Amelie - Soir De Fete

Bolachinhas de Alfazema

Escrevia quando a fresca da tarde lhe traz os odores da zona das aromáticas. Levanta a cabeça do teclado, inspira com tranquilidade deixando os ombros cair, mas já se distraiu do texto ao se deixar inebriar. Erva-príncipe? A menta. Predomina. Aquela personagem não está a fazer sentido. Prime a tecla ‘guardar’ e fecha o portátil. Apanha quatro folhas escuras

de menta e escolhe três de hortelã. Gosta de as misturar. Volta atrás e escolhe outra folha de hortelã bem pequena que limpa rapidamente entre indicador e polegar e coloca-a na língua. Gosta de mastigar ao preparar o seu chá de sete folhas. Enquanto repousa e o sabor abre, volta ao jardim e apanha uns pezinhos de alfazema e apanha dois bons limões. A sua neta chega e gosta de ter as bolachinhas para mordiscar. Não usa receita nem medida, apenas uma boa mão. A neta costuma fazer lá no restaurante dela, e apesar de se venderem mais pacotinhos que pãezinhos quentes, reclama de não serem as bolachinhas da Avó Flora, que as faz a olho e saem sempre perfeitas.
Derrete a manteiga de soja e liga o rádio da cozinha. Sorri. Está a passar a música de um filme. Gosta desse filme, a actriz faz-lhe lembrar a inquietude da sua neta. Procura o ralador. A raspa dos limões do quintal tira-a do sério. Demora sempre a fazê-lo para se deixar embalar na frescura do óleo aromático, a que fica espalhada pela cozinha. Agora faz sempre com frutose, a médica não a incomoda. Mete a mão na lata e tira um punhado de farinha, depois outro. Só até engrossar. Gosta de amassar à mão, é repousante, lava a alma - dizem - e ajuda a fermentar. Doem-lhe as pontas dos dedos de tanto teclar. Volta a pensar na sua personagem. Aquele conto está a sair-lhe difícil, poderia dar à senhora uma infância boa na Provença rodeada de campos anil de alfazema. Pôr os pais dela a emigrar. Sim, poderia funcionar como o seu escape, em adulta já regressada a Portugal e entregue à brutalidade do marido. Seria uma forma de conseguir dar sentido à sua personagem. Três flores de alfazema. Quatro, quanto muito. A regra era nunca usar muitas. No forno intensificava-se o sabor e as bolachinhas ficariam intragáveis. Alfazema. Isso mesmo! Assim que coloca o tabuleiro do forno volta a ligar o portátil.

Receita:

6 colheres de sopa de manteiga de soja
1 colher de sopa bem cheia de frutose
raspa de 2 limões
100 grs. de farinha
1 colher de sopa de flor de alfazema