quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Espetadas de perú reinventadas

Dedico esta receita aos voluntários Ercília, Maria do Rosário e Baltazar, e sim, também à Dra. Ângela 


Há dias assim. Estamos mais em baixo, as horas passam, tudo se vai complicando e parece não haver solução, até reparamos na hora de fazer o jantar que o vaso do cebolinho que tanto estimávamos nos abandona. Desistir? Murchar como um cebolinho amuado pela falta de sol na vida dele? Eu não penso assim. Ergo os olhos para o céu incrivelmente azul turquesa, respiro fundo e sei que Ele não me abandona, fala comigo numa palavra amiga, num sorriso, num abracinho, que sempre vem junto de cada saco da ajuda alimentar que recebo. E não deixo de agradecer nunca, por uma ajuda que jamais pensei ter de recorrer, habituada a comprar os meus ingredientes saudáveis, sem olhar ao preço, mas apenas à qualidade, ao que como diz o povo, me 'enchia o olho' de tanto que para mim é prazenteiro o acto de cozinhar. 
Hoje vejo-me limitada a alimentos que não posso apenas chamar de básicos, por vezes são dados ingredientes que jamais teria comprado, contudo não desisto deles à partida. Sempre tive o hábito - apesar de comprar para ter tudo em casa - de aproveitar ou inventar como misturar elementos e, nessa alquimia, descobrir novos paladares. 
Sim, é uma atitude positiva, como o cliché batido do copo de água meio cheio, ou de olhar uma maçã reineta que ao invés de a pensar como meia podre, imagino-a, sem o pedaço estragado, num pires, generosamente polvilhada com açúcar por cima e um pau de canela no buraco descaroçado, depois de um só minuto no microondas. É uma deliciosa e rápida maçã assada... e só o odor malicioso desta analogia me faz sorrir. 
Custa-me imenso ouvir as pessoas dizerem estarem cansadas de comer sempre o mesmo, estando elas no plano de ajuda alimentar, ou sendo amigas nossas, a reclamarem de cansadas de fazerem bifes com batatas fritas para os filhos... afinal de contas, um bife não tem de ser apenas frito ou grelhado, tem tanta possibilidade!, os mesmos ingredientes de base podem ser agradavelmente mudados de cenário se olharmos para eles com um olhar diferente! 
Então abro a porta do frigorífico, e vejo o que tem de ser consumido primeiro. Hoje em dia é a minha prioridade: não perder ingredientes. Tinha descongelado uma embalagem de espetadas de perú e queria repensá-la à ideia de apenas as grelhar, até porque é um excesso desnecessário de carne que pode render muitas refeições se for gerida com inteligência. Vamos aos ingredientes que usei na confecção deste jantar: 

espetadas de perú 
batatas 
alho 
cebola 
aipo 
gengibre 
tomate
manga 
malagueta
cebolinho 
pau canela 
vinho branco 
sumo de lima 

A primeira coisa que me chamou a atenção olhando para as prateleiras do frigorífico, foram o tomate maduro demais para salada e a manga amolgada de tão madura. Não apetece consumir em cru, mas são óptimos para cozinhar. 
A gula não me deixou esquecer as batatas que a minha amiga Luísa me dá da horta do pai... são as batatas mais saborosas do mundo! Juntei ao estrugido para além do fio de azeite, cebola e alho, mais alguns legumes de que não dispenso se os tiver em casa, como pimento, gengibre e aipo (que a D. Ercília nunca esquece que eu gosto muito). Como não tinha pimento,  aproveitei os quadradinhos das espetadas. Depois de deixar o estrugido lourinho, juntei só alguns dos cubinhos de carne cortadinhos ainda mais pequenos (gosto de os colocar bite-size, ou seja já do tamanho pronto a comer), e depois da carne já selada, temperei com sal, malagueta, pitada de paprika, o pau de canela e rodelas finas de gengibre. Refresquei com o vinho e juntei as batatas em rodelas finas, e o tomate e a manga meio picados, meio esmagados. Aproveitei todo o suco de ambos, que deitaram por estarem demasiado maduros. Coloquei a tampa e deixei que cozinhasse bem abafado. Detalhe - se tivesse cogumelos, teria colocado com certeza nesta mistura de ingredientes! No final, já com o lume desligado antes de servir, espremi o sumo de uma lima e envolvi tudo de novo. 
Empratei com uma rodela de lima e o pau de canela (bonitinho para a produção fotográfica eheheh) e, num momento iluminado do dia, peguei na tesoura de cozinha e acabei com a tristeza do vaso de cebolinho em pequenos pedacinhos que deixei cair gentilmente sobre o prato. 


quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Chá das cinco

Para o micro-conto deste mês, proponho-me brincar com o som das palavras quase-poema, quase-história infantil: e se os nossos dedos tivessem vida própria? funcionassem por cores? como seriam os seus? achei este um bom tom para inventaricar um micro-conto esmaltístico!! Espero que gostem desta aventura meio-doida com um irreverente toque de criatividade na ponta dos dedos :-)
por Ana Martins ©

Não pareciam filhas da mesma mão, cada uma com sua personalidade, com sua atitude, com sua cor. A caguenta média-altaneira, sempre de nariz no ar, era snob, era arrogante, a mais velha, irritante de petulante. Contrastava com a sua doce irmã aneleira-casamenteira, a que ruborizaricava romanticamente a cada desafecto caguilento da média-altaneira.
Sem brincadeira, mas sempre salva pela pispineta e pigmentada indicadoreira, bafejando na linda corneta azulejadada de brilhante defendedeira. Ousava gritar sem levantar o tom de sua razão.
Tinha em contraposição o nu azedume da polegarezeta, desvalida em cor e presença, sombra rastejante oponível à sincera frontalidade da indicadoreira, era incessantemente avinagrada, na opinião e no trato. Já a gótica caçula mindindinhozinha rejubilava em plena alegria enquanto aplainava as constantes guerrilhas das irmãs. Saltitava harmoniosamente entre as discrepantes pessoalidades, dos atinos aos fornicoques ousados, e bastava a todas uma pequena passagem de poção mágica da maninha gótica com alma de grilo-falante para logo reaverem a cadência ritmada da estabilidade manuseável a cada novo chá das cinco.